Maria e a missão laical na Amazônia

Vinde, Espirito Santo! Mostrai-nos a vossa beleza  refletida em todos os povos da terra,  para descobrirmos que todos são importantes,  que todos são necessários, que todos são rostos diferentes  da mesma humanidade amada por Deus. Amém. (Papa Francisco, Fratelli Tutti, 2020, p. 209) A presença de Maria na Amazônia nos primórdios da história dessa terra […]

Vinde, Espirito Santo! Mostrai-nos a vossa beleza 

refletida em todos os povos da terra, 

para descobrirmos que todos são importantes, 

que todos são necessários, que todos são rostos diferentes 

da mesma humanidade amada por Deus. Amém.

(Papa Francisco, Fratelli Tutti, 2020, p. 209)

A presença de Maria na Amazônia nos primórdios da história dessa terra é demonstrada em documentos de estrangeiros que adentraram a região, uma vez que os nativos não possuíam ainda registros escrito. Essa presença transparece nos nomes de localidades,  logradouros públicos e particulares; na construção de igrejas e capelas; nos pequenos oragos familiares, dentre outras.

A primeira referência à Virgem sai da pena do dominicano frei  Gaspar de Carvajal, cronista da expedição espanhola de Francisco de Orellana, na descoberta do rio Amazonas: “Terminada a obra, e visto que a comida se esgotava, tendo morrido sete de nossos companheiros da fome passada, partimos no dia de Nossa Senhora da Candelária”, era dia 2 de fevereiro de 1942. (Carvajal, 1941, p.53)

Em 1616, a expedição portuguesa capitaneada por Francisco Caldeira de Castelo Branco, parte da província do Maranhão para colonizar as terras do rio Amazonas, que fora navegado por Orellana e,  ao chegar na foz do rio Guamá, na área da atual Belém (PA), os expedicionários erguem uma fortificação militar, dando-lhe o nome de Forte do Presépio, o arraial que se  forma no local recebe a nomeação de Santa Maria de Belém e “A igrejinha, erguida na fortaleza, ficou sob a invocação de Nossa Senhora da Graça” (Tocantins, 1963, p.150). 

A partir de 1616 com a igreja de Nossa Senhora da Graça, seguiram-se a construção de igrejas dedicadas a Maria: 1626, Nossa Senhora do Monte do Carmo; 1639, Nossa Senhora das Mercês; 1682, Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Todas elas  no antigo arraial de Santa Maria de Belém.

Na  tentativa de demarcar territórios, os colonizadores sobem o rio Amazonas, chegam aos rios afluentes erguem fortificações militares como a fortaleza de São José da Barra, na foz do rio Negro.  Assim em 1695, os carmelitas chegam a essa fortificação militar  e “nas cercanias do fortim de São José, aproveitando-lhe a sombra protetora, levantaram toscamente, de madeira a palha, a capela de Nossa Senhora da Conceição, que tomaram como padroeira do núcleo em formação” . Era o início da cidade de Manaus (AM).

Como se percebe a presença de Maria na Amazônia é um ponto de partida para a evangelização e muitas vezes levada à comunidade por um leigo. Com vista a este estudo fica a reflexão sobre quem é o leigo a partir da consulta de documentos eclesiais mais recentes. 

A Constituição Dogmática do Concílio Ecumênico Vaticano II sobre a Igreja dedica ao leigo o Capítulo IV,  em seis aspectos, na perspectiva de que “Cada um dos leigos deve ser perante o mundo, testemunha da ressurreição e da vida do Senhor Jesus e sinal do Deus vivo “ (LG, 38). Para efeito da temática, dois subcapítulos são fundamentais: “Que se entende por leigos” (LG 31) e “Apostolado do leigo” (LG 33). 

Interpretando esses dois aspectos a Lumen Gentium diz que: leigos são fieis cristãos que sendo incorporados a Cristo pelo Batismo, constituídos como parte do povo de Deus e feitos participantes do múnus sacerdotal profético e real de Cristo Jesus, exercem sua parte integrante na missão de todo o povo de Deus na Igreja e no mundo.  

O Concílio também afirmou que a índole secular é a característica própria e peculiar dos leigos.   Desta forma, por vocação compete a eles procurar o Reino de Deus e ordenar as coisas segundo a vontade de Deus. Eles vivem a vida secular, nos ofícios diversos e trabalhos do mundo, vivem as condições da vida familiar e social. Sendo chamados por Deus e guiados pelo espírito evangélico concorrem para a santificação do mundo, pelo testemunho de sua vida, pela fé, esperança e caridade, manifestando Cristo aos outros. Cabe ao leigo ordenar as coisas temporais, para que sejam feitos segundo Cristo e todos cresçam para o louvor do Criador e do Redentor. 

O Sacro Concílio conclui sobre o apostolado do leigo o encargo glorioso de trabalhar para que o plano divino da salvação atinja cada vez mais a humanidade, com o testemunho de vida nas estruturas humanas em diferentes âmbitos da vida social: 

Pesa ainda sobre todos os leigos o encargo glorioso de trabalhar para que o plano divino de salvação atinja cada vez mais todos os homens, em quaisquer tempos e lugares. Abrangem-se-lhes, pois, todos os caminhos para que, segundo as suas forças e as necessidades dos tempos, participem também eles, ardorosamente, na tarefa salvadora da Igreja (LG, 33).

Outros documentos da Igreja atestam a importância do leigo na vida eclesial, como o registro nos relatórios da últimas Conferências episcopais latino-americanas, realizadas em diferentes territórios, com propostas abrangentes e pontuais:  Medellin, Colômbia (1968)  propõe que “os leigos cumprirão mais cabalmente sua missão de fazer com que a Igreja  ‘aconteça’ no mundo, na tarefa humana e na história” (DM, 10,2.6). Interpretando Puebla, México (1979) com a constatação de que  os leigos e leigas são homens e mulheres da Igreja no coração do mundo e homens e mulheres do mundo no coração da Igreja (DP, 786). Em Santo Domingo (1992) os leigos  devem ser “protagonistas da transformação da sociedade” (DSD, 98) e,  na última Conferência, acrescida do episcopado caribenho, em Aparecida, Brasil (2007) a Igreja é solicitada a dar  “maior abertura de mentalidade para entender e acolher o ‘ser’ e o ‘fazer’ do leigo na Igreja, que por seu batismo e sua confirmação é discípulo e missionário de Jesus Cristo” (DAp, n. 213).

O Papa Francisco no primeiro ano de seu pontificado publicou, na Solenidade do Cristo Rei do Universo, em 24 de novembro de 2013,  a primeira Exortação Apostólica, chamada de  “Evangelii Gaudium – A Alegria do Evangelho”, dirigida “ao Episcopado, ao clero, às pessoas consagradas e aos fiéis leigos, sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual”, contudo dirige-se inicialmente ao cristão leigo:

A ALEGRIA DO EVANGELHO enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. Quero, com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cristãos a fim de convidá-los para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos (EG, 1).

Com a percepção de que Igreja tem especial atenção aos leigos, a Igreja no Brasil, por meio da CNBB,  celebrou o “Ano do Laicato” no período de 26 de novembro de 2017,  ao dia  25 de novembro de 2018, cujo tema animou a mística do  ser batizado na Igreja de  fundada por Cristo:  “Cristãos leigos e leigas, sujeitos na ‘Igreja em saída’, a serviço do Reino e o lema “Sal da Terra e Luz do Mundo” (Mt 5,13-14). Esse tema direcionou todas as atividades realizadas durante o ano, lembrando que o próprio Jesus explicou a metáfora do sal, que é a de dar sabor aos alimentos e a luz que não pode acendê-la e colocá-la embaixo de uma vasilha. Para o leigo do mundo contemporâneo deve prevalecer a ideia de que ele deve ser o condutor da luz de Cristo nos ambientes onde atua. Com essa atitude, ele contribui para glorificar a Deus e sua criação. 

Na conclusão do “Ano do Laicato” surgiram alguns  compromissos e indicativos de ações pastorais, dentre eles destaca-se por sua amplitude e pluralidade “Incentivar os cristãos, particularmente os leigos e leigas, a que, inseridos numa sociedade pluralista do ponto de vista cultural e religioso, vivenciem e construam caminhos de diálogo ecumênico e inter-religioso, de cooperação com o diferente e com as diversas culturas” (Doc.105). 

No Calendário Litúrgico, o mês de agosto é dedicado às vocações, a cada domingo Igreja comemora uma vocação. No primeiro, a vocação sacerdotal; no segundo, a vocação matrimonial; no terceiro, a vida consagrada e quarto domingo, a vocação dos leigos, segundo a CNBB/Canção Nova, ser leigo  atuante: 

[…] é ter consciência do chamado de Deus a participar ativamente da Igreja e do Reino contribuindo para a caminhada e o crescimento das comunidades rumo a Pátria Celeste. Assumir esta vocação é doar-se pelo Evangelho e estar junto a Cristo em sua missão de salvação e redenção.

Neste dia celebramos todos os leigos que, entre família e afazeres, dedicam-se aos trabalhos pastorais e também missionários. Os leigos atuam como colaboradores dos padres na catequese, na liturgia, nos ministérios de música, nas obras de caridade e nas diversas pastorais existentes.

Com a percepção da Igreja de que a Amazônia tem uma pobreza social histórica como baixa escolaridade, serviço de saúde precário e de pouco alcance, alimentação inadequada. Há também a percepção da pobreza evangélica, com um número pequeno de sacerdotes a serviço das comunidades diluídas no enorme espaço territorial, sem contar com o diminuto número de consagrados  que alcança apenas 3% do clero brasileiro.  

Diante dessa realidade o Papa Francisco convocou em 2017 a  Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a região Pan-amazônica  com o tema “Amazônia: novos caminhos para a Igreja e por uma ecologia integral”. Após meses de preparação e escuta o sínodo se realizou nos dias 6 a 27 de outubro de 2019. A logomarca do evento, demonstra claramente os objetivos dessa reunião eclesial:

“Criada pelo artista brasileiro, Aurélio Fred, a base para a logo é uma folha, que nos aponta para toda a biodiversidade presente na Amazônia. O movimento dela também nos lembra o fogo, uma chama, que é ação do Espírito agindo neste momento da história na Igreja e na Amazônia. A folha, por sua vez, não tem um traçado simples que aponta para uma única direção, mas traz a trama de uma cesta indígena, recordando a cultura das populações tradicionais, a força, o trabalho e o sentido de unidade. Unidade, aqui, de toda a Pan-Amazônia, lembrada nas cores das bandeiras dos países que a compõem, não tendo uma cor ou bandeira que prevaleça sobre a outra. No centro, um rio que une toda a região, com seus afluentes e bacias, símbolo também do caminho, motivação do tema do Sínodo, e que passa pela cruz, nossa identidade de Igreja e de cristãos.” (REPAM)

De acordo com dados da Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM BRASIL,  a  região pan-amazônica tem 7,8 milhões de km2 de extensão,  com territórios do Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Vivem nessa área cerca de trinta e três milhões de habitantes, dentre os quais três milhões são indígenas  pertencentes a trezentos e noventa povos.

Conforme a REPAM, o Sínodo para Amazônia teve papel preponderante para CONHECER a riqueza dos biomas, os saberes e a diversidade dos povos nativos; RECONHECER as lutas e resistências desses povos;  CONVIVER com o modo de ser desse grupo social; DEFENDER o direito dos povos e a vitalidade  de seus biomas.

A terceira parte do documento preparatório da reunião sinodal, dentre diversas reflexões uma é intrigante e possibilita o exercício das virtudes teologais – “Que Igreja sonhamos para a Amazônia?”. Não houve  resposta divergente, nem convergente,  mas um ato de fé, esperança e amor à Amazônia que posteriormente foi objeto da exortação apostólica pós-sinodal “Querida Amazônia”, do Papa Francisco em 2 de fevereiro de 2020 na Festa da Apresentação do Senhor.

Importante observar as palavras conclusivas desse tão importante momento da Igreja para a Amazônia, tempo de esperança para os novos desafios, mas oportunizando os homens de boa vontade a trabalharem  por um mundo melhor. Eis o artigo final do sínodo: 

Concluímos sob a proteção de Maria, Mãe da Amazônia, venerada com vários títulos em toda a região. Por sua intercessão, pedimos que este Sínodo seja expressão concreta da sinodalidade, para que a vida plena que Jesus veio trazer ao mundo (cf. Jo 10,10) chegue a todos, especialmente aos pobres, e contribua para o cuidado da “casa comum”. Maria, Mãe da Amazônia, acompanhe nosso caminho; a São José, fiel guardião de Maria e de seu filho Jesus, consagremos nossa presença eclesial na Amazônia, uma Igreja de rosto amazônico e em saída missionária (SA 120).

Diante de tantas realidades que foram conhecidas durante a preparação e execução do sínodo, uma interessa a este estudo,  a missão do leigo na Igreja da Amazônia, sob a proteção maternal de Maria, a primeira leiga, discípula e missionária de Jesus. É patente que o serviço do leigo no espaço amazônico sempre foi eficiente e eficaz sobretudo no protagonismo das mulheres. O Papa Francisco na Exortação Apostólica “Querida Amazônia” dedica os artigos 99 a 105 com o título “A força e dom das mulheres” a esse protagonismo, conforme o texto do Santo Padre: 

Na Amazônia, há comunidades que se mantiveram e transmitiram a fé durante longo tempo, mesmo decênio, sem que nenhum sacerdote passasse por lá. Isso foi possível graças à presença de mulheres fortes e generosas, que batizaram, catequizaram, ensinaram a rezar, foram missionárias, certamente chamadas e impelidas pelo Espírito Santo. Durante séculos, as mulheres mantiveram a Igreja de pé nesses lugares com admirável dedicação e fé ardente. No sínodo, elas mesmas comoveram a todos com seu testemunho. (QA, 99) 

Padre Celestino Ceretta, missionário palotino que exerce seu ministério na Amazônia deste 1977,  publicou em 2021,  “Sínodo para a Amazônia, reflexões de um participante” onde ratifica a as palavras do Santo Padre e analisa a atuação do leigo sobretudo nas devoções populares desenvolvidas pelo povo. Dá seu parecer independentemente do relatório final do sínodo, em que aponta novos caminhos no campo civil como exigir de governos a buscar capital internacional para aplicar em pesquisas com produtos da floresta;  substituir gradualmente o consumo de carne animal por proteínas vegetais; ouvir comunidades do interior, movimentos ecológicos;  acompanhar pesquisas científicas que beneficiem o povo e o meio ambiente, dentre outras ações. No campo religioso, é necessário despertar lideranças  comprometidas com o bem-estar de sua comunidade; preparar pessoas para exercer sua missionariedade de batizado, assumindo funções, ou ministérios que o leigo pode realizar respeitando a hierarquia eclesial.

Com a sensibilidade de ser um “Homem de Deus”, nosso Pastor, respondeu, de certa forma, nos quatro capítulos da exortação,  a pergunta do documento preparatório  “Que Igreja sonhamos para a Amazônia?”. Nela o Papa Francisco assim se pronuncia: 

[…] nesta breve Exortação, ouso humildemente formular quatro grandes sonhos que a Amazônia me inspira:

Sonho com uma Amazônia que lute pelos direitos dos mais pobres, dos povos nativos, dos últimos, de modo que a sua voz seja escutada e que sua dignidade seja promovida.

Sonho com uma Amazônia que preserve a riqueza cultural que a caracteriza e na qual brilha de maneira tão variada a beleza humana;

Sonho com uma Amazônia que guarde zelosamente a sedutora beleza natural que a adorna, a vida transbordante que enche os seus rios e as suas florestas;

Sonho com comunidades cristãs capazes de se devotar e de se encarnar na Amazônia, a tal ponto que deem à Igreja rostos novos com traços amazônicos.

A presença de Maria na Amazônia é ratificada na  “Querida Amazônia” conforme a conclusão nomeada de “A Mãe da Amazônia”. Após discorrer sobre o caminho trilhado para realização do sínodo e apresentar  os sonhos a serem realizados, o Papa afirma: “ […] levantemos o olhar para Maria, a Mãe que Cristo nos deixou. E, embora seja única Mãe de todos, manifesta-se de distintas maneiras na Amazônia. […] penso que o melhor será concluir esta Exortação dirigindo-nos a ela” (QA 111). Essas palavras introduzem um belo cântico de louvor com quarenta e seis versos, do qual transcrevemos três estrofes do poema.

Mãe da vida,

no vosso seio materno formou-se Jesus,

que é o Senhor de tudo que   o que existe.

Ressuscitado, ele transformou-vos com a sua luz

e fez-vos Rainha de toda a criação.

Por isso vos pedimos que reineis, Maria,

no coração palpitante da Amazônia.

[…]

Mãe do coração trespassado,

que sofreis nos vossos filhos ultrajados

e na natureza ferida,

reinai vós na Amazônia

juntamente com vosso Filho.

Reinai, de modo que ninguém mais se sinta dono

da obra de Deus

Em vós confiamos, Mãe da vida!

Não nos abandoneis nesta hora escura.

Amém. (QA 111)

Diante das reflexões apresentadas ao longo do texto, a título de conclusão, coloquemos Maria como inspiração e mentora do leigo. Seu papel como geradora do Filho de Deus é o modelo de evangelização silenciosa, constante e duradoura para o leigo que deseja ser “Sal da Terra e Luz do Mundo”, lema do ano do laicato transcorrido em 2017/2018.

 

CONCLUSÃO

Na Exortação “Querida Amazônia” o Papa comenta sobre o poder da Igreja, porque Deus quis se manifestar por meio de duas figuras humanas, seu Filho Jesus, o Verbo feito homem  e uma mulher, a filha de Sião, Maria. O anúncio do Reino de Deus na Amazônia perpassa por essas duas figuras  que são encaminhadas por missionários na figura de sacerdotes e religiosas de vida consagrada, além do papel primordial do leigo em cujo trabalho assenta grande parte da evangelização, sobretudo as leigas cuja “contribuição segundo o modo que lhes é próprio e prolongando a força e a ternura de Maria, a Mãe” (QA 101). Mais adiante o Papa afirma que a força feminina tem papel fundamental na permanência de vida religiosa nas comunidades. Cantar o Magnificat pelas mulheres amazônicas é colocar em prática a síntese da espiritualidade cristã. 

De fato, Maria é o protótipo de discipula e missionária de Jesus para o leigo, visto que este exerce inúmeros trabalhos junto a sua  comunidade,  assim como Maria o fez em sua vida terrena. Desse modo, podem-se elencar vários serviços que Maria praticou os quais servem não só como modelo a ser imitado, mas também como modelo a ser desejado seguir. 

No anúncio do Anjo Gabriel, Maria coloca-se à disposição do plano de Deus, ela une o Antigo Testamento com a vinda do Messias, ao Novo testamento com a encarnação do Filho de Deus, o Redentor da humanidade. Maria se coloca como servidora do Evangelho e afirma  “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim, segundo tua palavra (Lc 1,38). O leigo engajado age como Maria em sua comunidade, também não questiona o que lhe é pedido, ele se coloca disponível ao serviço. Na Amazônia,  o caminho da sinodalidade  passa pela figura do leigo como um servidor que socorre  de forma material, social e espiritual aos que necessitam de sua ação solidária. É corrente dizer “Deus não escolhe capacitados, mas capacita os escolhidos”, visto que poucos estão preparados para exercerem seus ministérios, mas o conhecimento, a habilidade de realizar o serviço acontece durante o processo por sua capacidade de querer servir. 

Outro aspecto muito impactante ao leigo sobre a figura de Maria, é a atenção que ela dá ao outro. Os evangelhos demonstram claramente essa virtude em dois episódios conhecidos. O primeiro,   quando Maria foi às pressas servir a prima idosa Isabel que estava grávida. Ela sai de Nazaré, na Galileia, e se dirige até Ain Karin, na Judeia, onde morava Isabel, percorrendo  150 quilômetros a pé, em uma caminhada difícil, com vias montanhosas, além da própria situação de gravidez de Maria.  Na preparação para o sínodo, registraram-se  testemunhos de muitos leigos que, assim como Maria, enfrentam longas e dificultosas caminhadas para levar palavra de Deus a locais longínquos e de difícil acesso.

O segundo episódio ocorre nas Bodas de Caná, com a presença atenta de Maria, que impulsiona Cristo a manifestar seu poder divino. A  falta de vinho na festa de casamento é grave e necessita reparação. Maria avisa Jesus “ Eles não têm mais vinho” (Jo 2, 3),   sabendo que Ele poderia mudar os fatos. É o socorro de Maria,  de forma indireta,  indicando seu Filho como autor do milagre que iria acontecer, ao falar com os serviçais:  “Façam tudo o que ele vos mandar” (Jo 2, 5). 

Como se vê toda ação de Maria leva para a pessoa do Seu Filho, o Redentor da humanidade, é o modelo de serviço a ser imitado pelo leigo em seu ministério que é  levar às comunidades a pessoa de Jesus, o Salvador, com o “anúncio do Reino de Deus e convite à conversão” como ensina o terceiro mistério luminoso na recitação do rosário, uma das práticas piedosas que os leigos realizam na Amazônia, a pedido de Maria nas aparições de Fátima em 1917.  

Assim, “Maria e a missão laical na Amazônia” deve ser compreendida como um  itinerário missionário evangelizador demonstrado pelo  Papa Francisco na “Querida Amazônia”: uma Igreja com rosto amazônico  que necessita da presença estável de responsáveis leigos, maduros e dotados de autoridade, pois os leigos têm protagonismo na vida eclesial da Amazônia, fato facilmente percebido até nos dias atuais. (QA 94).

 

REFERÊNCIAS:

BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2006.

CANÇÃO NOVA. A missão de fé dos leigos na vida cotidiana e na Igreja. Disponível em https://formacao.cancaonova.com/igreja/catequese/missao-de-fe-dos-leigos-na-vida-cotidiana-e-na-igreja/. Acesso em 30/7/23.

CARVAJAL, Gaspar. Descobrimento do rio de Orellana. Tradução de C. de Mello-Leitão. São Paulo: Editora Nacional, 1941.

CERETTA, Pe. Celestino SAC. Sínodo para Amazônia. Reflexões de um participante. Santa Maria (RS): Biblos, 2021.

CONCÍLIO VATICANO II. Lumen Gentium “De ecclesia”.  16ª. ed. São Paulo: Paulinas, 2003.

FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelli Gaudium. São Paulo: Paulinas, 2017.

FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Fratelli Tutti. São Paulo: Paulinas, 2020 a.

FRANCISCO, Papa.  Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia. São Paulo: Paulinas, 2020 b.

REDE ECLESIAL PAN-AMAZÔNICA. Sínodo para a Amazônia. Disponível em https://repam.org.br/sinodo-para-a-amazonia/. Acesso em 30/7/23.

TOCANTINS, Leandro. Santa Maria do Belém do Grão Pará. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1963. 

AUTORA: 

AURICLÉA OLIVEIRA DAS NEVES é natural de Manicoré – AM, casada, quatro filhas e duas netas. Mestre e Doutora em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal Fluminense. Pesquisadora da cultura literária amazônica, tem inúmeros trabalhos publicados em anais, congressos, colóquios na área da literatura. Em sua biografia destaca-se o trabalho sociorreligioso junto à Confederação Mundial Mornese, Ex-alunas (os) FMA, onde atua como Conselheira Confederal do Brasil, junto ao Conselho Mundial em Roma no sexênio 2021-2026. 



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